sábado, 26 de setembro de 2015

Madrugadas


   Sr fulano de tal...


   Gosto de falar das madrugadas que passo acordado. Falo nelas sem falar o que se desenrola nelas.Como elas mesmas, escuras, ilegíveis e algumas elegíveis. As noites foram feitas para cada um e as madrugadas, são o canto mais profundo da noite. Já não suporto aguardar uma manhã numa festa patrocinada por uma bebida qualquer. Gosto daquelas madrugadas em que posso finalmente pensar, ouvir musica e ficar, assim, pendurado num silêncio que parece eterno mas apenas é breve. Os dias trazem-nos crise e trabalho. As madrugadas traz-nos os sonhos, as motivações...as madrugadas pertencem-nos. Vai de cada um...poderei passar por vadio que anda a altas horas. Poderei apenas só mais um que gosta do silencio que a madrugada traz. Ouvir os sinos de várias igrejas, batendo horas a despique, deixando perceber que há terras ainda uns segundos atrasadas no tempo: os suficientes para se notar o atraso. Gosto de estar aqui, neste espaço confortável, apenas espólio móvel me rodeia. E é confortável. Uma madrugada...mais uma madrugada que me perco a ouvir álbuns no youtube, de principio a fim, ouvindo faixa a faixa, ora com aprovação, ora com sacrifício. A noite pede-me algo mais calmo...sabe bem entrar desperto na madrugada.Há pessoas que passam as madrugadas acordadas, dormem de dia...sabem que nos hospitais morre-se de noite. A morte vem de noite e então vigiam a vida, esperam o dia seguinte para dormirem e dormitarem. As madrugadas servem para o que cada um quiser fazer dela. Ás vezes até dou por mim a pensar ao que as madrugadas já chegaram, que até já os ladroes se aproveitam da sua nudez.

   As madrugadas daqui a pouco serão compostas de chuva, ventos e ruídos em arrasto de lixo ou objectos mias leves que vão na dança do vento. Serão compostas de velhinhos acordados com o medo que a morte os chame pela noite e não de dia, no conforto e na presença de um ultimo olhar mesmo que já vazio de vida. Neste momento particular lembro o meu pai...morreu num dia de primavera, num 25 de Abril. Olhou-me e esticou-me uma mão. Percebi que queria encostar a cabeça ao meu peito e adormecer nele. Assim o segurei e fiquei com ele a olhar a janela de onde ele via uma serra. Fiquei ali a acariciar-lhe o cabelo e a chorar em silêncio. Só ele sabia que aquele era o seu momento. Não dormia de noite...dormia de dia quando eu ou o meu irmão chegávamos a cada manhã, logo ao abrir a visita. Dizia-me que não dormia de noite porque era nesse período que a morte vinha busca-los no silêncio e no vazio de enfermarias. Morreu ao fim desse dia...foi o dia mais triste da minha vida até agora. Nunca mais esquecemos a dor que sentimos quando em mãos carregamos o caixão onde vai o corpo do pai ou da mãe. Sabemos que a partir desse dia estamos mais sós que nunca.

   Salta do tempo o Outono, noites extensas, madrugadas maiores...quem se estende comigo no manto negro das madrugadas sem medo que o dia seguinte não compareça? 
 

2 comentários:

Anónimo disse...

Poderia ser eu a estender-se junto a ti no manto negro das madrugadas... mas estamos demasiado separados pelo tempo, pela compreensão e pela amizade..
Estou aqui, sempre. Gostava que acreditasses nisso e que visses em mim talvez uma amizade para a vida.. nao tenho o dom da palavra como tu. Lamento que vejas em mim apenas alguém que nao vale a pena.

Beijo grande, lobo mau...

Anónimo disse...

Olá :) espero que estejas bem. Gostei de receber uma noticia tua, mas os textos nao sao aborrecidos :)
Beijo grande :)