segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Noites brancas


Sr fulano de tal...

Acaba o dia, acaba a estrada por hoje e acaba também o paz em mim. E é ao chegar ao fim do dia que também o tempo se encerra por detrás das cortinas fechadas do camião. Deixa de haver janela para o mundo, já não é montra, já não é expositor. Ao fechar as cortinas fecho um mundo visual que me entra diluído já em rests de prata da Lua que ainda consegue espreitar em algumas noites. Hoje já as nuvens não permitem ver essa Lua vadia, companheira na solidão dos homens tardios e noctivagos. A partir deste momento sou um homem no escuro, um corpo que me abandona e me deixa ficar entregue ao lento passar dos minutos. Sou um homem só...não adianta mudar nada, sou cativo num corpo que tenho por penitência arrastar.
Abro a cortina, espreito um mundo exterior e fico siderado, a neve prende-me o olhar na sua forma leve de cair. A noite não é escura lá fora, o manto branco devolve a ar a luz que os candeeiros lhe colocam. Não há pássaros nem cães vadios...só eu mesmo e além á entrada da fábrica o porteiro. Nunca senti tanto abandono na minha vida...já tinha visto e testemunhado casos de abandono quase total mas não pensei que pudesse gelar tanto a alma e o espirito. Talvez o jantar resolva...
Sinto os meus pés gelados diante das malas. Arranco o fogão e no refúgio do reboque desenho uma refeição forte. Arroz de chouriço caseira, sopa, um iogurte, uma laranja e uma maça. Para beber convoquei uma garrafa de vinho. A água quente espera para a lavagem da loiça...quanto mais cedo a lavar e arrumar, mais cedo fujo destes 11º negativos que me congelam até a sombra.
Amanhã um novo dia, acordarei em paz e bem disposto como sempre, navegarei a estrada de pensamento solto vadio, distante até...e não me sentirei só, até que volte de novo o silêncio do motor da xaleca a invadir-me o vazio que fica quando as paisagens param e os bosques parecem não respirar.