terça-feira, 6 de março de 2012

A neve


Sr fulano de tal...

Passaram os dias e a vontade de escrever por vezes adormece...talvez escreva quando estou mais deprimido ou me sinto mais só numa luta que não deveria ser só minha. Talvez sejam dias em que me procuro de novo numa tentativa de não cair num abismo existencial. Outras vezes é uma mera questão de oportunidade mas o que é certo é que os meus dedos silenciaram durante uns dias e mesmo um artigo menor que escrevo para um pequeno jornal local me foi dificil arrancar dos dedos.
Chegou neve ás estradas que normalmente percorro...já evoluímos sob um nevão e a Xica, lá foi subindo e conseguimos sair da zona critica. No fundo adiava-se a queda de neve e sabíamos que mais tarde ou mais cedo nevaria e o frio atirar-nos-ia para dentro das cabines, remetidos ao aconchego quente da cabine, sozinhos e a adiar a fome para uma hora em que seja menos dificil aguentar o frio enquanto se cozinha.
A neve...gostava de associar meia dúzia de palavrões quando falo da neve no meu âmbito profissional, mas como sou um rapaz decente não vou escrever nenhum palavrão. Mas a neve no itinerário de facto prejudica o normal desenrolar da jornada do dia. Não só a neve em si mas também o frio que lhe é associado. Em grandes nevões o trânsito fica cortado aos pesados, por vezes somos surpreendidos por fortes nevões nos itinerários, o que leva as autoridades a retirarem para parques, muitos deles sem condiçoes para permanências superiores a 24 horas por alguns nem um wc terem. E fica-se ali, um ou dois dias até que os limpa-neves abram a passagem para que se possa circular devagarinho e em filinha pirilau. São as estradas escorregadias, sensiveis a golpes de travão mais firmes que tantos acidentes originam nestas condicões, é a visibilidade afectada como se a visão estivesse a ser queimada por um excesso de luz. Não admirem pois se em dias de neve virem motoristas de óculos de sol. Os motoristas não fecham olhos nem descansam a vista enquanto conduzem na neve, ou seja, não estão a ler ou a olhar espaços que não a neve. Lembro a primeira vez que passei assim um periodo de neve, foi Burgos e os olhos ardiam-me porque Burgos estava totalmente coberto de neve, havia um pouco de sol e a luz deste era espelhada por toda uma superficie plana...tive mesmo de parar para sair do camião e procurar um lugar onde pudesse estar 15 minutos sem que sentisse os olhos a serem queimados.
Por norma o motorista Português não faz refeicões na sua cabine como muitos de outras nacionalidades fazem. Quase todos, senão mesmo todos, camiões Portugueses no serviço de longo-curso têm umas caixas em aluminio no reboque, do lado direito do mesmo e aí nessas malas que preparamos as nossas refeições. Ora, quando está a chover ou quando está neve torna-se complicado cozinhar, mais ainda se a lona do reboque vem selada e não dá para abrir de forma a fazer uma espécie de abrigo. Por vezes se houver no espaço de carga um metro vazio á traseira cozinha-se la atrás, no reboque, ao frio mas abrigados da neve ou da chuva. Pior é quando nem isso é possivel e apenas resta a cabine. Aí a malta opta por uma sante enquanto aguarda mais um pouco na esperança que chegue um colega português com espaço no seu reboque e que por gentileza nos deixe lá cozer umas batatas ou aquecer uma sopa só mesmo para aconchegar o estômago.
Não raras vezes dou comigo perdido em pensamentos a imaginar como seria antes...os mais velhos que andam nas estradas a descer, por exemplo os pirinéus, em camiões que a nivel de segurança, equipamentos de travagem e desacelaração eram bastante inferiores aos de hoje. Podem estar temperaturas gélidas e insuportáveis no exterior mas dentro dos hábitáculos de hoje os sistemas de aquecimento permitem coisas tão fantásticas como parar num parque de uma serra com vistas colossais e ficar ali, sentado no banco do morto a contemplar a neve invadir o ceu e pousar-se em tudo que é superficie...uma t-shirt e uns calções e ouvir um bom cd. E isso basta-me para suportar depois a neve na hora em que me sento ao volante pronto para umas horas de condução.



Eis algo que também queima muito as vistas a muito boa gente, amigos até :)