sábado, 12 de setembro de 2009

Ligeira curva descendente


sr fulano de tal...

Só hoje senti o sol e senti que as minhas pernas caminhavam na rua sem saber para onde íam.É como se o meu corpo fosse apenas a minha anterior fraqueza.
Parei numa sombra, encostei-me á parede. Ninguém passou por mim, nem um cão.Só uns pombos voavam, como se fossem livres, desenhando arcos no ceu.Círculos imperfeitos, e no entanto só eles passam como se fossem livres e mesmo assim eles não me vêem. Senti que uma mão, um dedo talvez me apertava a garganta dando-me vontade de vomitar. Baixei a cabeça e o meu estomago contorceu-se vazio na barriga.Abro a boca, faço o som do vómito e nem o meu jejum vomito.
Olhei a imagem difusa do mundo, céu indiferente, as casas indiferentes e as ruas indiferentes. A indiferente existência das coisas.E continuei, continuei sem saber onde as minhas pernas me levavam.O silêncio talvez seja o murmurio que ouço, talvez seja a insistência que ouço que me repete um desespero e um desassossego mudo e ansioso e mais ansioso por isso.Eu sou a minha incerteza perante o momento que há-de vir.
Eu sou este momento e este momento sou eu e este momento é o meu fascinio porque assisto e não entendo. Eu sou o lugar vazio de mim, sou eu nos meus olhos, sou eu nos meus gestos, são os meus gestos a serem a minha ausência.E continuo, o meu corpo a levar-me.As ruas, uma ânsia e um desconforto.A minha vida a cumprir-se, alheia de mim e sem que eu mande nela, sem que eu exista.Sou eu sem mim, eu sem eu.Eu e alguém no meu lugar a ser eu.As minhas mãos mais fortes que a minha vontade.As minhas pernas a andarem sem serem minhas.O silêncio grita-me tudo o que eu não entendo, nem sei nem ouço. E bato com a porta do carro, deixando para trás a bagagem que não quero levar comigo. O carro para e eu entro á boleia...
E o veneno da manhã faz-me atravessar a serra insuspeito como qualquer outro homem, como um homem que não carregasse um mundo de sofrimento também na sua sombra numa manhã igual a tantas outras manhãs. Atravessei a serra a caminho de Viseu como se levasse uma raiva sem motivo, caminho nas ruas levando um peso, que descobri agora, era uma magoa profunda.Desamparado para dentro de mim e perdido, como que uma raiva sem motivo, com uma dor profunda. Fui a morte e nem sei o que é a morte. Fui a dor, fui o desalento, fui a tortura e ja nem sei sequer. Fui o não saber nada e a angustia sufocante. Caminhei nas ruas, conduzi nas serras e cheguei aqui.Cheguei aqui e não cheguei a lado nenhum porque ainda sou o mesmo.Estou na estrada que me levará a casa e ainda estou aqui sentado a seguir serra abaixo no sentido oposto.
O calor do sol queima-me apertando-me contra o asfalto.Se voasse o sol não queimaria nem mais nem menos nem a minha angustia seria menos.
O silêncio entristece-me agora e estou onde não avanço, estou onde não cheguei e paro e continuo e ainda estou aqui.Sou as minhas pernas a andar e não as seguro, sou esta angustia bem maior que eu, sou uns olhos que me vêem , sou a estrada que continua.Sou uns ouvidos que ouvem...
Entrego a mim, a este eu, a minha vida por resignação e o que sobrou dela.Atrás de mim, triste a ausência conformada.O suor do meu rosto é o suor de cem rostos e eu sou cem rostos.O mundo fechou-se e abre-se já de novo.Já nada existia aí onde estás.Aqui onde me enconto já nada se parece como lá, onde existia apenas o meu desespero e o meu abandono.No fundo do meu olhar e dentro de mim vejo a serra. E o carro pára no alto da Serra e eu saio e vou sozinho fumar o meu cigarro da praxe ali enquanto contemplo a natureza que aqui foi plantada por suprema mão. Neste momento sou a solidão que acaba numa história contada divertidamente por um amigo que desliza ao lado na mesma estrada.
Os meus olhos negros foram partida.O rasto de sofrimento que a ausência deixa antes de chegar á xaleca, como pé descalço que aguarda a sandalia que lhe amansa os passos. A certeza da ausência já era.
Asfixiava-me nesta angustia mais forte que a força.Eu sabia e saber assim dá-me tudo e tira-me tudo, torna-me homem e mostra-me o abandono obrigando-me a esquecer.Era dolorosamente pequeno dentro de mim.Era tudo o que era.Era pouco, insignificante, sou um passado de desencontros e enganos que agora segue em 4ª a fundo, sou gesto de olhar este céu, sou futuro que há-de vir e sou esta certeza.
O meu sorriso renasce, estendo essa passadeira a quem entra e sorrindo rio de mim próprio e arranco...Ninguém lamenta se o meu olhar é assim ou diferente porque já sei o que ele é e no entanto perdi-o e volto a encontra-lo.Lágrima a lágrima os meus olhos já secos escrevem inutilmente estas palavras.Porquê?
Porque existo, e nao sou o esquecimento já esquecido.O vento é o meu silêncio a caminhar diante mim...no cinza fumo que do cigarro vejo em fugindo.