segunda-feira, 21 de maio de 2012

O lado de lá da outra vida



   Srs Fulano, Sicrano e Beltrano de Tal...

   Por uns tempos deixei de escrever, pelo menos aqui neste blog onde vou partilhando a vida que reparto em dose industrial com a Xica. Há outra parte da vida que parece adormecida quando passo a fronteira mas a cada momento desperta e aí lembro-me que há outra vida consagrada na minha e que não é de certeza dedicada á minha profissão. A verdade é que ultimamente as viagens eram iguais, não os destinos mas os pensamentos eram os mesmos, e perdi a vontade de vir durante uns dias. Sentia que o meu pai se esgotava rapidamente e assim que foi internado, decidi que íria saber se seria possível tirar uns dias de férias para poder estar no hospital todos os dias, de manhã e de tarde, junto dele. Fui o último de quem se despediu...libertou-se a 25 de Abril. Doze dias num hospital que pareceram anos. Não porque desejava quie o tempo passasse rápido, não, não é isso, pareceram anos no conteúdo das conversas que pude ter com um homem com o qual eu não vivi mas convivi. Pude dizer-lhe tudo o que sentia, pude estar ali calado á espera que daquele corpo já leve e cansado viessem palavras. Pude sentir a vela na mão...pude ver aquela chama que era forte ir perdendo no amarelo e ganhando mais o tom de pavio queimado, pude sentir a cada dia a temperatura a descer e as forças a despedirem-se. O meu pai partiu...é isso mesmo. Um dia chegou e um dia partiu e tal como todos também eu vou adiando a partida final, mas até lá vou chegando e partindo, vezes sem conta aqui e acolá, mas nunca foi a última vez e é isso que me empurra: contar a que não foi a última partida.
   Durante dias olhei para fora desta janela. A perspectiva da foto era a mesma que a que os olhos do meu pai viam quando já desconfortável pela posição acamada do corpo, tinha na serra que se vê ao fundo a sua referência. Passei ali horas em pé, olhando para a rua e vendo a primavera instalar-se...ficava ali á espera que o meu pai acordasse e me visse. Piscava-lhe o olho e ele voltava a adormecer. O meu pai dizia que os hospitais sao sitios onde as pessoas estão tristes e morrem de noite. O meu pai não dormia de noite com medo de morrer de noite. Aguardava achegada de um dos dois filhos e então adormecia aos poucos...acordava, falava, cansava-se e adormecia. Esta janela de onde espreitava e narrava ao meu pai tudo o que via. Partilho-a aqui connvosco, uma vidraça diferente no lugar de para-brisas, mas uma janela com vistas para a vida e era por isso que o meu pai a queria aberta para que olhassemos todos por ela. Acho que só hoje descobri isso...
   Voltei ás viagens e a dar a minha pele ao sol que já vai queimando. Voltei a deliciar-me na estrada e a sair encantado de alguns cenários que em viagem posso contemplar de um local previlegiado atrás do para-brisas. Não é uma vidraça como a de cima, mas é concerteza também uma janela para a vida que também deixo para trás cada vez que parto e que agarro cada vez que chego. Os dias virão melhores e eu cá estarei para me vestir da cor que o sol tem para dar.

3 comentários:

pika disse...

Viva, tenho acompanhado atentamente o seu blog. Apenas quero deixar-lhe os meus sentimentos. Continuação de boa viagem e não deixe de escrever.

AmSilva® disse...

Como não há muito que dizer, haverá muito mais que ouvir...
A Vida continua, as lembranças de vez em quando voltam, a memória fica, e se nada ficou por dizer muito mais haveria de ser dito!!
Sinceras condolências.

Susana Antunes disse...

A vida tem destas coisas...
Sem aviso prévio levamos parte de nós...
Mas o importante é que nada nem ninguém nos leva a memória... nem a certeza que existiu... prova disso somos nós próprios...
Por isso... temos que seguir em frente... para que... onde quer que estejam... se sintam orgulhosos da parte que cá ficou...
Um grande abraço nosso e nunca deixes de escrever o que que te vai na alma...
Para os que estão neste lado a seguir-te as tuas palavras são como balsamos... ;)