O calor aperta e a viagem inicia-se sem grandes perdas de tempo. Voltei a deixar voar o meu corpo numa deriva controlada a metro e meio do asfalto. Sinto-lhe o calor e a cor negra que o absorve. As vezes que subi a A25 ou as que passei o arame farpado das nossas fronteiras aínda não bastaram para que não saia sempre triste e em tons de despedida de um sol, de um país, de amigos e familia...é como tentar meter a vida numa mala e arrancar por dias consecutivos e ter a noção que ficam para trás. Assim que se passa a fronteira, seja ela qual fôr, o dia deixa de ser mais um dia e passa a ser um dia a menos para o regresso. É esta a única bagagem imaterial que trazemos e onde transportamos as pessoas e coisas que sabemos fazer-nos falta, sejam as circuntâncias que forem.
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O dia fechou-se assim na fronteira de Aachen numa sessão fotográfica hilariante talvez aos olhos de quem nos visse programar a máquina fotográfica, clicar, pousar e ir a correr para o cenário e chegar á 5ª tentativa e nada...nada de jeito. Mas de todas as fotografias que se tiraram para perpetuar o momento, sobraram algumas que servem de esboço ao desenho do quão bom foi encontrar pessoas que estão de bem com a vida. Verbo sorrir em riste.
A manhã nasceu cedo...a luz da aurora invadiu-me a cama ás 5 da manhã. Arrumei a cama, abri cortinas e mostrei de novo a cabine ao mundo. Um duche, um café e munido de vinheta para circular no Benelux. Volto a ver o sol em crescendo pelo retrovisor enquanto desapareço de Aachen Bélgica dentro. O dia inspira. Paragem para abastecer no Luxemburgo e tempo para um café com um amigo de longa data, meu conterrâneo.
Mais uma pausa feliz. Anoiteci em Montargis, França, esticando ao máximo o horário para conseguir sair de França antes das 22 horas de hoje.
- É hora de acordar, são três horas e quinze minutos- diz-me uma voz feminina programada no despertador do telemóvel. Primeiro round: Eu 1 - Despertador 0. Quando me levantar procuro-o debaixo de um dos pedais... Desperta o outro telemóvel...é mais irritante e como não lhe chego deitado, ergo-me e pronto...empate e eu rendo-me á vertical. Avanço de madrugada para evitar os turistas franceses que gostam de invadir a estrada rumo a uma area de serviço fazer um piquenique...Com o dia chega também a parte mais larga da estrada, duas faixas desde Vierzon até Limoges, aumenta o tráfego e o calor. Umas obras e o cheirinho a verão nas filas que criam. Tempo para observar as pernas despidas que descuidadas se mostram a quem as vê sem quer de cima. Um cheirinho a seca e tempo perdido em filas desorganizadas originadas pelas deslocações das pessoas que viram chegar o dia de ir de férias, merecidas ou não, ei-los que estorvam e que se desorganizam.
- Catastrófe- digo eu em tom Ûcra-Lusitano. Não me vou safar assim. Mas quis a viagem continuar a ser agradável e assim consegui hoje, estar um pouco exposto ao frio nocturno de Alsásua, muito perto já da zona dos Pirinéus. Daqui a poucas horas volto á estrada com destino a Viseu e a parte material da bagagem que deixei, mas quebro aqui desde já a regra de só falar no final da viagem.
O cromatismo dos dias e das viagens insiste em coisas muitas vezes repetidas mas desta vez foi tão diferente: Fiz dois amigos e voltei a trazer a viola, ainda que em silêncio, ela veio comigo. Vem sempre...ás vezes sem cordas. Fiz dois amigos.