sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Folhas caídas

Esta foto foi fotografada com uma camera fotográfica que tira fotografias



Sr fulano de tal...

Um destes dias dou comigo a colher historias perdidas por ai nas bermas para escrever aqui. Não são histórias, não vejo assim estas coisas que aqui escrevo, são apenas relatos de momentos...ou uma sucessão deles, que me fazem rir, embora de forma timida e contida. Mas a recolher das bermas nesta época só existem mesmo as folhas caídas de árvores que se vão despindo ao ritmo de uma dança desconcertada diluída numa estranha musica ditada pelo vento.
Enquanto víamos as noticias a darem a cara sempre catita e linda dos nossos ministros ( o Engº Sócrates está para a politica como o Prof.Mourinho está para o futebol), o Outono veio e instalou-se e nem demos conta. O assunto do dia é o orçamento e a falência de Portugal e enquanto os noticiários se debruçam com noticias sobre a vinda do FMI e do D.Sebastião dos orçamentos, nós, aqueles que se lixam* sempre haja fartura de dinheiro no Governo ou esteja ele de calças na mão, preocupamo-nos mais com o frio. Não há noticias para as classes média e baixa Portuguesa, apenas para os senhores da finança e os donos do dinheiro que apanharam e que agora contam com toda a populaçao num esforço patriótico para o repor. A gente paga sempre qualquer coisinha por uma samarra, por um Kispo marroquino que nos ampare nos dias de frio...agora para o Governo e vaidades de quem lá está, só mesmo obrigado a fazê-lo...mas que eles não mereciam nenhum, isso não. No meu tempo não era nada disto.
Quem me dera descobrir por aqui, em Lyon, o cheiro das castanhas assadas, segui-lo e dar com um papelão aberto e pendurado num pau de vassoura com os escritos em Português - Há castanhas e vinho novo- e sentar-me aconchegado pelo calor do assador e a dar boas-vindas ao Outono. Essa é a minha novidade no ano, não é o orçamento nem a chegada do FMI. Lembro-me com saudade a escola primária...festejava-se a chegada do Outono com desenhos e com as redações sobre o tema. Eu acho que passei sempre no tempo que se reprovava na primária, por gostar de escrever redações e desenhar. Na matematica e estudo social ou meio fisico, já não me lembro, dava um jeito um pouco mais acima do mediocre.
-Vamos ás castanhas no intervalo?- Perguntava em surdina o companheiro de carteira. Respondia que sim e fazia o aquecimento dos tornozelos ainda sentado. Ir roubar castanhas era um risco porque os ouriços eram soltos á pedrada e só de capacete se estava bem debaixo do castanheiro, mas em couro cabeludo também não estava mal...com um bocadinho de jeito levava-se uma pedrada e apanhavam-se uns pontos. Durante esses dias era-se mais bem tratado por estar doentinho e nem reguadas levava por não fazer os trabalhos de casa. Levei tanta reguada na mão...acho que a professora se divertia com aquele espancamento de régua em riste e eu, de mão gelada na manhã de Outono ali a sentir o baque da régua numa mão que não sentia pelo frio mas que depois doíam enquanto aqueciam. De nada valeu...hoje sou exactamente o mesmo mas da velha professora levo 2 beijinhos quando me vê...a sorte dela é que nunca mas estragou muito as mãos. Em vésperas de S.Martinho não havia escola, era feito um magusto gigante para todos os alunos. Uns traziam castanhas, outros sal e outros traziam caruma ou "munha" como se diz na minha terra. Tudo acabava com meia dúzia de alunos totalmente enfarruscados pelas cinzas da fogueira...na altura não sabia que havia Amadora e Cacém, se soubesse iria pensar estar lá porque no final do magusto quase não se via uma pele branca...era tudo farruscado e como era festa, as professoras más e as ranhosas das empregadas da escola não castigavam a nossa vingança pelos dias e horas más que ás vezes pareciam ser aqueles de escola. Acho que tive mais medo das professoras de primária do que da minha mãe, embora se chegasse a casa e lhe dissesse que a professora me batera, a minha mãe ainda dava a dose caseira porque acreditava que se a professora castigou teve motivos para tal. Ora bolas...era comer e calar.
E vou fumando e escrevendo, e o meu olhar perde-se num relvado verde mas já inundado de folhas que lhe jazem até que passe o Sr do colete verde que as reagrupará num carrinho que transborda já de folhas caídas. Gosto do contraste das folhas caídas com a relva ainda de verde pigmentada. E nas árvores coabitam ainda folhas verdes com aquelas que ainda hoje cairão e ficarão no chão até que o sr de colete verde passe e as leve no seu carrinho de roda de bicicleta.
Por estes dias sou também uma folha seca, castanha com tons de amarelo, que fui largada de uma árvore...tambem gingo ao vento e arrasto-me pelo mundo ciente que a uma qualquer valeta eu irei ter. As folhas caiem porque as árvores que as sustentam as deixam cair, cortam-lhes lentamente a vida e despem-as para a rua. Só espero não acabar no Sr do colete verde e no seu ancinho.
Eu, por mim, festejo a chegada do Outono, não me resta mais nada a festejar neste momento, só mágoas a carpir e se possivel enquanto festejo. Assim, no meio de castanhas e vinho, entre o fumo que me aquece e alegra a alma nos dias em que morrer seria alternativa, nem se dá tanto conta da folha que somos e que alguém largou.


* Uma senhora pediu que não escrevesse palavrões por isso substitui-se por outras palavras mais coloridas, o que em tempo de Outono é uma coisa fantástica.


Dicionário do escrivão: lixam - fodem

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