segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Roma


Sr fulano de tal...

O oposto de bonito é feio, assim como o oposto de rico é pobre, de preto é branco, isso aprende-se antes de entrar para a escola. Se observarmos tricas entre crianças, relembramos também que o contrário do amor é o ódio. Errado? Não, não é errado, não se pode exigir que uma criança saiba algo tão terrivel e tão pobre como a verdade. Já se observarmos gente mais adulta descobriremos a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio como pensámos á partida, é a indiferença. Não é Roma.
O que será preferível entre estas duas situações? Que uma pessoa da qual gostámos passasse a odiar-nos, ou que lhe fossemos totalmente indiferentes? Que não dormisse só para imaginar mil e uma maneiras de nos fazer sentir mal ou que dormisse, como que se um anjo fosse, a noite inteira, esquecido por completo da nossa existência? O ódio é também uma forma de se estar com alguém e desengane-se quem pensar o contrário. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: o nosso nome simplesmente deixa de contar na lista negra ou não. Ali já não existimos, a nossa existência já era.
Para odiar alguém, precisámos de reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocínio, ainda que doente. Para odiar alguém gastámos energia, neurônios e tempo. Aborrecemo-nos e nem lembramos que odiar cria-nos cabelos brancos, rugas no rosto e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objecto do ódio, necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe o nosso rancor,a nossa ira, a nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para aturá-lo. O ódio, se tivesse uma cor, seria vermelho, tal e qual a cor do amor.
Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De nada. A pessoa em questão pode saltar de para-quedas, assistir aula toda nua ou em cuecas amarelas, ganhar um óscar ou uma condenação a prisão perpétua, a gente nem quer saber "que se lixe". Não julgámos os seus actos, não queremos saber seus modos e atitudes, não testemunhámos a sua existência. Ela não nos exige o olhar, a palavra, o coração, o cérebro: o nosso corpo ignora a sua presença, e muito menos sentimos a sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligámos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor do nada.
Uma criança nunca experimentou essa sensação: ela ou é muito amada ou então repreendida pelas asneiras que faz. Uma criança está sempre num dos extremos, adorada ou maltatratada, mas nunca é ignorada. Só muito mais tarde, quando precisar de uma atenção que não seja materna ou paterna, é que descobrirá que o amor e o ódio habitam o mesmo universo, enquanto que a indiferença é um exílio no deserto

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