sábado, 4 de outubro de 2014

Incêndio, chuva e água na sarjeta




   Sr Fulano de tal...

   Fogo. Incêndio em mim, chamas, mas não ouço... Fogo, fumo que se dilui no que somos, fumo que me escorrega dedos acima e me vai dar ás labaredas que se soltam de mim. Chamas, chamo, brasa, carvão...ardo, incêndio, fogo posto. Eco, explosão, palavras de fogo, palavras flecha, cirúrgicas missivas, queima, não penso, executo, palavras, ocorrerem-me as palavras que me rasgam a pele e brotam, negras e frias como rio de gelo que nasce de algo que se acabara de formar. Incêndio, control, descalço no rescaldo, queima-me o chão que piso, perdi os trilhos desta floresta, chamas...não sinto. 
   Cinza, negra densidão, recantos queimados em terra pisada e rasgada e espalhada. Fumo, falta visão, espreito, não vejo o amanhã, nem o 5 minutos adiante, estico braços, árvores...onde estão as árvores? agarro-me a cinzas de outros incêndios. Chamo, fumego...incêndio, arde, queima, rasga, flechas, estupidez, burrice, combustao: eu. Frio, negro, vazio, escombro.
   Chuva...tempo, Vento, água...acalma-me o nucleo. Lava, escorre lava no meu corpo, sem rios, sem veias sem nada...apenas um varrer de fogo, uma exéquia fria vergada ao poder da água da chuva. Tempo, dias , palavras criança, abraço, rebelde, com medo...chuva. Vejo-me na chuva...vejo pedaços arrastados, lanco-lhes a mão mas eles, fraquinhos, não me agarram, não ficam no hoje. Não os consegui agarrar...eram pedaços queimados do passado e eu tento salva-los mas eles não tem força. Revejo-me na chuva, fio de água que levemente leva tudo, vejo-me ir tambem, consigo agarrar alguns pedaços de mim desse resgato de água de lavagem, água de passagem... Remorso, tremor arrependido, muralhas ao alto, fecho, silêncio, pólvora e palhetes, fecha, deixa ficar, junta lenha, acrescente papel, pólvora...junte água fria. Fogo nulo. Frio, água, chuva...valeta.
    Corro, sobressalto em mim,  acordo. Acordo sem ver se tenho os olhos abertos.  Os dedos não fumegam, os pés não ardem, o chão ambulante que piso é o mesmo. Senti...sem ti c.huva, não estou molhado...água, golo de água. Luz, uma pequena luz para que veja e confirme que estão ali os pedaços inconsumíveis de passado a migrar. Luz ténue...sinto os meus olhos abertos e adormeço-os. Deixo-me render á cama, pensar que somos incêndio, sou incêndio e masmorra, abençoado com a calma de um trovão e tempestade a cada explosão. E se fosse assim? lá  E imagino um pequeno fio de água que passa, lento e sereno, ausente do hoje. Vejo pedaços de passados seguir nesse curso de água de cinza lavada, cantos de paginas felizes que deslizam calmamente rumo á sarjeta. Não lhes estico o braço nem a mão, não há em mim um Duque da Ribeira que se atire a essas águas em curso final...elas não pedem perdão, vão calmas e resignam-se de ir para um mar tão sossegado onde desaguam as águas calmas que sou depois das fases de revolta. É lenta a marcha do meu corpo a acompanhar esse pequeno rêgo de água que escorre vagabundo para a sarjeta. Não os ignoro...vejo-os ir de vez mas é um funeral peculiar, o corpo presente sou eu. Acompanho até que os meus olhos parem sobre a grade da sarjeta, o crivo final, portas de um inferno escuro. Vejo-as cair uma a uma, em paz e felizes por as ver ir. E Aguardo...fica sempre algo maior preso na grade, algo maior que resiste á passagem de coisas mais pequenas em enxurrada mais impaciente, algo que se recusa a largar-me a ponta do casaco do dia de agora. 
   Parou...a água parou. o fogo que me ardia extinguiu-se. A chuva que condensava apagou-me, lavou-me, levou tudo...menos a coisa da águia da sarjeta. Luz...não derreteu. Incêndio, chuva, água de sarjeta...tudo suportou. Coisa, relíquia que se guarda em cofre migratório que recolho do mar que sou...em chamas.

   


   

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